parque monstro | DP/IFSC | com Eduardo Tiefensee, Letícia Corrêa e Maika Milezzi

Parque de diversão para praças públicas que considera as condições climáticas como “público não-humano” [exercício de graduação]

Projeto em parceria com Eduardo Tiefensee, Letícia Corrêa e Maika Milezzi

Florianópolis, 2009


A LENDA DO PARQUE MONSTRO


Olá! Eu sou o acaso. Não sei bem de onde eu vim nem como sou chamado. A minha vida… minha vida é cruzar o caminho das pessoas e das coisas. Alguns, loucos, me observam, gostam de mim. Outros só passam, como se eu não existisse. Mas não vim aqui para falar de mim. Vim para contar uma história que ouvi da Brisa. Não sei se vocês conhecem, ela é meio leva-e-traz e tem a alma leve.

Dizem do Vento Sul muitas coisas aí por esse litoral. Mas uma delas, particularmente, me intrigou. Ouvi da Brisa que ele foi apaixonado por uma ilha. Essa ilha, de tantos nomes que teve, já nem sei mais chamar. Mas fica no sul e isso basta. De tanto passear por suas curvas e sonhos, Vento Sul acabou ficando conhecido pelos habitantes da Ilha. E criou muitos laços. Em particular, com certo humano que fazia sons com vento.

O Flautista amava a música e amava a Ilha. Amava as duas quase o mesmo tanto. E de tanto, quase não agüentava. Ele soprava com todo o seu encanto aquela flauta para ver se, algum dia, tocava o coração da Ilha. 

O Flautista e o Vento eram amigos, apesar de algumas diferenças. Eles amavam em comum! Mas tinham formas diferentes de demonstrar. O Flautista tocava lindas melodias para a Ilha. Já o vento emitia uma intensa e única nota. A Ilha amava os dois, mas permanecia em sua inércia de terra firme, sem dizer nada.

Logo, ao Flautista, surgiu um desejo insaciável de estar junto a Ilha. Ele não poderia mais viver se não conseguisse. O Vento enciumava-se, mas não conseguia ver o amigo daquele jeito. Por isso, buscou nos mais fantásticos lugares do litoral, com quem não posso dizer, um encanto. 

O encanto faria seu amigo unir-se a Ilha por toda a sua existência, mas com algumas sofríveis condições. Dentre elas, ele nunca mais poderia tocar sua flauta. Mas, tomado de amor, aceitou as condições e deixou que o vento soprasse o encanto sobre ele. Foi assim que o Flautista uniu-se a terra daquela encantadora Ilha, deixando a superfície somente sua flauta para que todos pudessem recordá-lo.

O vento continuou a escorregar por entre as árvores e as montanhas de sua amada entre outros litorais. Mas não deixou de lado a sua amizade… Dizem que em determinados dias (ou noites), ninguém sabe ao certo quando, o Vento regressa do sul e sopra a flauta em reverência ao amor e a amizade vividos naquelas terras. Mas, não sei se por provocação ou por não ter opções, ele continua emitindo uma única nota.

Essa história me lembra outra que compete em termos de estranheza:

Há algum tempo, ao cruzar alguns caminhos na praça, perto da flauta, vi ali parado um gato. Era enorme e tinha feição de poucos amigos, mas não deixava de ser simpático. Eu também não sei como pode isso, pois quem de cara não muda, parece vazio por excelência, não que aquele gato não o fosse, mas sempre ronronava com simpatia quando algum motivo lhe subia à nuca.

Dava para ver na cara do gato que ele parou ali só por observação. Sabe aquelas pessoas que não perdem nada por observar? Mas não, o causo foi outro bem diferente. Mais ou menos assim, ouvi boatos: o enorme gato era chamado de Escorregato. Nasceu no Egito, mas sempre foi encantado pelo sul do mundo. É que aqui no sul do mundo, deus é coisa livre. No Egito, não é bem assim. Deus lá só tem vida por dentro do templo e do estático tempo. Escorregato era um deus no Egito, até que cansou de não ser livre e escorrer da própria vida.

Diariamente, ao nascer do Sol, os sacerdotes e sacerdotisas se aproximavam do santuário para acordar Escorregato e todos os outros deuses. Mas Escorregato odiava que o acordassem assim tão cedo e rosnava com cinismo toda vez “grrr, quero mais dez minutos, grrrr, de sono”. Escorregato até gostava do Sol, mas não suportava ver seu nascimento todos os dias… ô coiso viciado em nascer! E nunca entendia essas máquinas humanas que faziam todos os dias serem iguais por decreto, sem questionar e sem florescer dia algum.

Foi com tanta desavença que o deus gato não quis mais ser deus. Mas isso não era coisa fácil de fazer acontecer, só que o Escorregato rosnou tão alto em certo dia que a Esfinge lhe ouviu. A Esfinge não suportou tamanho cinismo com as regras de séculos, pois os humanos estavam lá toda manhã era para dar oferendas e fazer o deus ronronar, não rosnar. Mas o que ele podia fazer? Gato é bicho da noite, mas não é bicho que não dorme.

A Esfinge, neste dia, tomou graves providências: deportou Escorregato para bem longe: o sul do mundo. Foi que Escorregato amou a idéia, mas fez cara feia que era para ela achar que estava lhe castigando como queria. Hoje, o deus que não é mais deus por concreto, tem vida divina, livre para dormir de manhã como sempre sonhou. E não foi tudo, Escorregado ronrona com qualquer motivo que lhe sobe à nuca, pois nesse sul de mundo, os humanos só lhe visitam depois que o sol já está a pino.

Escorregato conheceu um monte de bicho louco pela praça que fez de casa. Um dos bichos é um tal de Gira-vento. Bicho esquisito que em lugar nenhum aparecia igual. Gira-vento é bicho dançarino, é bicho grande e forte, se enrola todo no próprio corpo e tem um olho só. Mas o olhão do bicho compensa qualquer par de olhos. Se chama Newton o tal do olho. E quando o Gira-vento dança, Newton mostra sua alma.

Gira-vento dançou ao som da flauta por muitos anos, em uma nota só, mas como era bicho importante, bicho grande e com íris cor-de-arco, teve a intimidade de encomendar ao vento, para não morrer de tédio, uma caixa de músicas. O Cata-música não demorou a chegar, com melodias de sete notas, acompanhava o flautista de uma nota só por todas as suas canções.

Gira-vento, na verdade, é uma enrolação com alma de Newton que dança para agradecer o vento pela bem-vinda encomenda e ainda tem patas de criança. O vento, para agradecer a alma que o Gira-vento mostra sem frescuras à praça inteira, inventou de colocar quase uma orquestra por ali mesmo: com uma marreta e um martelo completaram as melodias com a percussão.

Outro bicho, que não era bem bicho, que o Escorregato conheceu na Ilha foi o Guarda-vento. A chuva? Não, não: o Vento. A chuva incomoda um pouco porque ela molha além de gelar. O vento não, o vento só gela. E gelar, nessa ilha, é coisa boa, porque faz mais sol do que bate-queixo por aqui. E ainda, quando venta, é um agito que só vendo, que só vento, até esquenta de tanta bagunça.

O maior sonho do Guarda-vento sempre foi conseguir guardar o vento em um potinho, mas não foi coisa que fez acontecer, pois ficou com uma enorme pressão de tirar a bagunça do mundo… “Pois bem”, pensou o Guarda-vento, “se é a bagunça que encanta o sul do mundo, a céu aberto, vou me deixar bagunçar também.”

Em seguida, pensou o vento:

“Eu vou é revirar esse acaso daqui, já que contou todos os causos da minha praça, ele que volte por acaso em outra ocasião!”


Banco-flauta, Cata-música, Balanço-pêndulo, Guarda-vento, Escorregato e Gira-vento